O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta segunda-feira, 26, que vai impor no seu primeiro dia de governo tarifas sobre todos os produtos exportados do Canadá, México e China para os EUA. A medida pode alterar as cadeias de suprimentos globais e impor custos altos às empresas que dependem das maiores economias mundiais.
Em uma postagem na rede Truth Social, Trump mencionou uma caravana de migrantes no México a caminho dos Estados Unidos e disse que usaria uma ordem executiva para impor uma tarifa de 25% sobre os produtos. Ele disse que as tarifas estariam alinhadas ao combate as drogas e à migração. “Essa tarifa permanecerá em vigor até que as drogas, em particular o Fentanil, e todos os Alienígenas Ilegais parem esta Invasão do nosso País!”, escreveu.
“Tanto o México quanto o Canadá têm o direito absoluto e o poder de resolver facilmente este problema de longa data,” acrescentou. “Exigimos que eles usem este poder, e até que o façam, é hora de eles pagarem um preço muito alto!”
Em outro post, Trump também ameaçou uma tarifa adicional de 10% sobre os produtos da China, sob o mesmo argumento de envio de fentanil para os EUA. “Representantes da China me disseram que instituiriam a pena máxima, a de morte, para quaisquer traficantes de drogas que fossem pegos fazendo isso, mas, infelizmente, eles nunca cumpriram,” afirmou o presidente eleito.
Juntas, as ameaças tarifárias são um ultimato contra os três maiores parceiros comerciais dos EUA e podem prejudicar as relações diplomáticas e econômicas dos EUA mesmo antes de Trump retornar à Casa Branca em janeiro.
A notícia das tarifas alarmou os três países de imediato. As moedas do Canadá e do México desvalorizaram com relação ao dólar. Um porta-voz da Embaixada da China em Washington advertiu que não haverá vencedores em uma guerra comercial.
As tarifas também teriam implicações sérias para as indústrias americanas, incluindo fábricas de automóveis, agronegócio e embaladores de alimentos, que enviam peças, materiais e produtos acabados através das fronteiras dos EUA. México, China e Canadá juntos representam mais de um terço dos bens e serviços tanto importados quanto exportados pelos EUA e sustentam dezenas de milhões de empregos americanos.
Os três países juntos compraram mais de US$ 1 trilhão em exportações dos EUA e forneceram quase US$ 1,5 trilhão em bens e serviços para os Estados Unidos em 2023.
Os custos poderiam ser particularmente altos para indústrias que dependem do mercado norte-americano integrado, que foi unido por um acordo de livre comércio que perdura há mais de 30 anos. Adicionar 25% ao preço dos produtos importados poderia tornar muitos deles excessivamente caros e potencialmente paralisar o comércio em torno do continente. Isso também poderia provocar retaliações de outros governos, que podem impor as próprias tarifas sobre as exportações americanas.
A reação, por sua vez, poderia causar o aumento da inflação e escassez para os consumidores nos Estados Unidos e em outros lugares, além de falências e perda de empregos. Trump insistiu que as empresas estrangeiras paguem as tarifas, mas o custo é arcado pela empresa que importa os produtos e em muitos casos repassados aos consumidores.
Consequências em acordos comerciais
A imposição de tarifas sobre o Canadá e o México também violaria os termos do acordo comercial da América do Norte que o próprio Trump assinou em 2020, chamado Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês). Isso deixaria os EUA vulneráveis na justiça e, potencialmente, ameaçaria o próprio pacto e os seus termos de livre comércio.
Embora Trump não esteja explicitamente envolvido em negociações com Canadá, México ou China, ele tem o histórico de ameaçar impor tarifas para pressionar negociações. Isso levanta questões sobre se os anúncios são apenas o início de uma negociação prolongada.
Após as declarações, Trump e o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, falaram cerca de duas horas. Segundo um oficial canadense, a conversa foi uma iniciativa de Trudeau e focou na cooperação comercial e de segurança na fronteira entre os dois países.
Ainda assim, se Trump de fato impor as tarifas no primeiro dia de governo, pode haver pouco tempo para as negociações necessárias que as evitem ou atenuem.
Para o presidente da Associação de Fabricantes de Peças Automotivas do Canadá, Flávio Volpe, a postagem de Trump deve provocar uma negociação que, no fim, está mais relacionado a uma luta contra a China. “Como você compete com a China se você precificar de maneira proibitiva o alumínio do Quebec, os carros de Ontário, o urânio de Saskatchewan e o petróleo de Alberta?”, disse Volpe, citando alguns dos principais produtos de exportação canadenses para os Estados Unidos.
“Metade dos carros feitos no Canadá são feitos por empresas americanas, e metade das peças que entram em todos os carros feitos no Canadá vêm de fornecedores dos EUA, e mais da metade das matérias-primas são de fontes dos EUA”, acrescentou. “Nós somos mais que parceiros. Somos quase inseparáveis como família.”
Outros especialistas, no entanto, afirmam que a tendência crescente de políticas protecionistas sugerem que as tarifas não são apenas blefe de Trump para negociações. “A especificidade crescente das ameaças de tarifas do Trump, tanto em termos de quantias quanto dos países a serem visados, indica a forte possibilidade de que essas são ações iminentes em vez de apenas ameaças agressivas”, disse Eswar Prasad, professor de política comercial na Universidade Cornell.
Reações chinesas, mexicanas e canadenses
Oficiais canadenses e chineses defenderam os esforços para combater o fentanil após o anúncio e enfatizaram os benefícios mútuos do comércio com os Estados Unidos.
Em uma declaração assinada por Trudeau, pela ministra da Fazenda, Chrystia Freeland, e pelo ministro Segurança Pública, Dominic Leblanc, o Canadá ressaltou os laços profundos entre as duas economias. “O Canadá é essencial para o fornecimento de energia doméstica dos EUA, e no ano passado 60% das importações de petróleo bruto dos EUA tiveram origem no Canadá”, diz a declaração. “Nós, claro, continuaremos a discutir essas questões com o governo que está chegando.”
Liu Pengyu, porta-voz da Embaixada da China em Washington, disse que “a insinuação de que a China conscientemente permite que os materiais do fentanil viagem para os Estados Unidos é completamente contrária aos fatos e à realidade”. “A China acredita que a cooperação econômica e comercial China-EUA é mutuamente benéfica”, acrescentou.
Oficiais mexicanos não emitiram declarações, mas o anúncio provavelmente não foi surpresa depois de ameaças repetidas de Trump de impor tais tarifas. Nos últimos dias de sua campanha, Trump ameaçou impor tarifas de até 100% em todos os bens do México.
O México já havia sinalizado que estavam preparados para responder com tarifas retaliatórias próprias. “Se você impor tarifas de 25% sobre mim, eu tenho que reagir da mesma forma”, declarou o ministro da Economia do México, Marcelo Ebrard, em entrevista a uma rádio mexicana. “Estruturalmente, temos condições de jogar a favor do México”, acrescentou.
Em 2019, ele ameaçou impor tarifas sobre todos os produtos do México e fechar completamente a fronteira, a menos que o país interrompesse a imigração ilegal, mas foi persuadido a abandonar a ideia.
Na campanha deste ano, o republicano voltou a fazer ameaças tarifárias ainda maiores. Ele sugeriu uma tarifa de 60% em bens chineses e de 10 a 20% em produtos de outros países.
Crise migratória
Trump também ameaçou ações agressivas para deter o fluxo de migrantes nas fronteiras dos EUA, incluindo deportações em massa de milhões de imigrantes sem documento.
Segundo a agência de notícias Associated Press, há uma caravana de 1,5 mil pessoas no México que está em direção aos EUA.
As tarifas dos EUA poderiam pressionar o México pela economia. O país é excepcionalmente dependente do comércio com os EUA, com exportação de cerca de 80% de seus produtos para Washington.
Até o momento, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, adotou uma abordagem conciliatória para lidar com Trump. Os dois conversaram por telefone, e Sheinbaum disse que o governo está ansioso para lidar com a equipe de transição de Trump antes dele assumir o cargo em janeiro.
Já o Canadá, enquanto busca projetar calma e confiança no relacionamento com os EUA, reconhece que a fronteira é um ponto sensível. No meio do ano, mesmo com a queda acentuada de travessias ilegais na fronteira EUA-México, o número de migrantes que atravessaram a fronteira EUA-Canadá atingiu um novo recorde. Contrabandistas começaram a usar o Canadá como trampolim para pessoas que tentam chegar aos EUA ilegalmente, principalmente da Índia.
O governo Biden repetidamente tratou do assunto com as autoridades canadenses e, em resposta ao aumento, introduziu medidas emergenciais para deportar rapidamente as pessoas de volta ao Canadá. Desde então, os números despencaram. A agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA disse na semana passada que os encontros — significando interações entre agentes e migrantes ilegais, incluindo prisões e expulsões — caíram 69% de junho a outubro.
Por ESTADÃO