BRASÍLIA – O relator da regulamentação da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), ampliou os benefícios concedidos às empresas instaladas na Zona Franca de Manaus. O texto apresentado por ele cria vantagens adicionais em relação ao que foi aprovado na Câmara dos Deputados e extrapola os incentivos oferecidos hoje às empresas da região.
Em entrevista coletiva concedida no dia da apresentação do seu relatório, Braga admitiu que ampliou os benefícios para a Zona Franca, mas afirmou que as mudanças foram feitas em negociação com o Ministério da Fazenda. Procurada, a pasta não se manifestou.
A emenda constitucional que institui a reforma tributária, aprovada no ano passado, determina que os benefícios da Zona Franca deverão manter as atuais condições vantajosas da região, não ampliá-las.
“Fizemos duas alterações na Zona Franca de Manaus em anuência com o Ministério da Fazenda, discutindo com todos, e isso vem desde a Câmara”, disse Braga. “Isso (o texto aprovado na Câmara) significaria o fechamento de quase 70% das indústrias da Zona Franca.”
As duas mudanças, segundo o relator, aumentam em 0,1 ponto porcentual a alíquota-padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado criado com a reforma tributária para substituir os impostos federais IPI, PIS, Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS.
A mais relevante alteração, segundo Bento Antunes de Andrade Maia, economista do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), é a retirada de um redutor na concessão de créditos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – novo IVA de Estados e municípios. Segundo ele, isso cria uma vantagem a mais para as empresas do Amazonas em relação ao patamar atual.
Durante a tramitação na Câmara dos Deputados, parlamentares da bancada amazonense reclamaram que a proposta enviado pela Ministério da Fazenda prejudicava empresas industriais da região, principalmente as de informática e de ar-condicionado.
Como mostrou o Estadão na ocasião, o governo cedeu na última hora e admitiu a previsão de um crédito presumido para essas empresas quando venderem os produtos a outras regiões do País. O texto original da Fazenda não fixava os valores desse crédito presumido e dizia que eles seriam determinados pelo Comitê Gestor do IBS (formado por representantes dos Estados e dos municípios), com metodologia de cálculo aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) – o que apertaria a concessão do benefício. Isso caiu por terra.
A Fazenda conseguiu apenas emplacar um redutor que fixava que, no máximo, o benefício seria equivalente a dois terços do valor de IBS a pagar, e válido apenas para as empresas do setor de informática. Os demais setores teriam benefício menor, a partir de um escalonamento que concede vantagens menores a bens intermediários, bens de capital e de consumo final, que poderiam acessar apenas o equivalente a 90,25%, 75% e 55% do benefício da indústria de informática.
O redutor desagradou aos parlamentares amazonenses, que por sua vez votaram em bloco contra a reforma na Câmara. Com a relatoria no Senado a cargo de um amazonense – Braga já foi governador do Estado do Amazonas –, a expectativa de deputados era de que o texto fosse alterado.
Braga de fato mudou a redação e retirou o moderador de “dois terços”. Segundo o economista do CCiF, isso amplia o benefício às empresas da região em relação até mesmo ao que é praticado hoje, o que infringe o comando constitucional.
Atualmente, esse “bônus” é calculado sobre um ICMS de alíquota efetiva de 14,15% do valor de venda da mercadoria. Como a projeção oficial é que o IBS no futuro seja de 17,7%, o benefício será ampliado para 17,7% do valor de venda da mercadoria.
“É um benefício majorado por causa do diferencial de alíquotas entre o ICMS de hoje e o IBS futuro”, afirma Bento Antunes. “Com o redutor de dois terços, havia uma manutenção do benefício atual. Com a sua retirada, está havendo uma majoração da competitividade das empresas do Amazonas sobre as demais.”
Mais setores beneficiados
O economista da CCiF observa que, além da retirada do redutor, Braga também estendeu a setores que haviam ficado de fora do benefício o acesso a 55% do crédito presumido, como é o caso de fabricantes de ar-condicionado, bicicletas, embarcações, aparelhos de ginástica e de vestuário que estejam na Zona Franca.
Em outra frente, Braga ampliou o número de empresas que poderão ter acesso a um crédito presumido da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o IVA federal a ser criado na reforma tributária. Isso porque ele estendeu o benefício a empresas que hoje já têm o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) zero – pelo texto aprovado na Câmara, o benefício seria oferecido apenas para as companhias que terão o IPI zerado por iniciativa do governo.
A nova rodada de benefícios para a região amazonense provocou uma rebelião de senadores que representam outros Estados da região Norte. Eles desejam estender as vantagens da Zona Franca às suas áreas de livre-comércio. Há áreas com essa natureza em Rondônia, Roraima, Amapá e Acre.
Em um movimento que ganhou força na noite desta terça-feira, 10, senadores desses Estados ameaçaram retirar apoio à parte que diz respeito à Zona Franca caso Braga não atenda parte do pleito deles.
Relatório cria brechas e aumenta complexidade
A tributarista Thais Veiga Shingai, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, observa que Braga também esticou o benefício de alíquota zero de CBS a empresas do comércio e da indústria que venderem seus produtos dentro da região da Zona Franca, o que não estava no texto da Câmara. Além disso, empresas que prestam serviços fisicamente na região também terão a CBS zerada, como é o caso de supermercados, por exemplo.
Esse trecho da lei, diz ela, pode abrir espaço para que uma empresa que tenha um escritório em Manaus possa prestar serviços também em outros Estados e obter o benefício, criando uma vantagem frente a concorrentes de outras regiões.
“O discurso é o de que ajustes foram feitos para manter os benefícios atuais da Zona Franca; mas, no fim das contas, embora a Zona Franca seja importante para a região, esses mecanismos de crédito presumido são pouco transparentes e dificultam que possamos fazer contas e saber todos os benefícios que as empresas de lá possuem”, afirma a advogada.
A tributação efetiva que uma empresa terá, frente a concorrentes de outras regiões do País, vai precisar ser calculada caso a caso, repetindo um problema de pouca transparência que já existe hoje.
“Se a empresa vende mais na Zona Franca ou fora da região, se ela importa ou se ela compra insumos nacionais de qual origem são temas que vão impactar o nível de benefício a que terão acesso”, diz Thais Veiga. “O crédito presumido é um instrumento que faz sentido para preservar a vantagem da Zona Franca, mas são tantas as previsões na reforma tributária que tornou o tema complexo.”
Além da questão concorrencial em relação a empresas situadas em outras regiões do País, ampliar os benefícios concedidos à Zona Franca aumenta a alíquota geral dos novos tributos IBS e CBS. Braga, por sua vez, alegou que todas as mudanças feitas pelo Senado terão impacto de majorar a alíquota padrão em apenas 0,13 ponto porcentual, o que fará com que a alíquota de referência possa alcançar 28,1%.
Nesta terça-feira, depois da leitura do seu parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ele minimizou esse impacto e disse estar certo de que, ao final, a alíquota irá cair.
“Eu estou convencido, efetivamente convencido, que com o nível de segurança jurídica, com o nível de tecnologia do split payment, com o nível de combate à sonegação como via de consequência, a ampliação da base de pagamento, nós vamos ter, ao fim e ao cabo, uma queda da alíquota padrão.”
Por ESTADÃO