O escritor, filósofo e ativista indígena Ailton Krenak é o mais novo membro da Academia Brasileira de Letras. Foi eleito, na última quinta-feira, 5 de outubro, para a cadeira número 5, vaga com a morte de Jose Murilo de Carvalho, em agosto, por 23 votos, superando a historiadora Mary Del Priore, que teve 12 votos e o indígena Daniel Munduruku, com 4. A posse de Krenak ainda não está marcada, mas deve ser em 2024.
Logo após ter declarado a vitória de Krenak, o presidente da ABL, Merval Pereira, ligou para o novo acadêmico e o pegou dentro de um taxi. “Estou dentro de um taxi e não caibo aqui dentro de felicidade”, disse Krenak.
E foi com essa extrema felicidade que ele recebeu amigos e novo confrades no atelier do amigo Luis Zerbini, na Gávea, e falou de seus primeiros planos para a ABL:
“Uma das minhas intenções é convidar a ABL para criar uma plataforma, com a experiência que temos, por exemplo, com uma plataforma que já existe, chamada Biblioteca Ailton Krenak, disponível para quem quiser acessar na web centenas de imagens, textos, filmes e documentos. Não é legal? Poderíamos fazer isso com todas as línguas nativas. Teria tudo a ver com a Academia Brasileira de Letras incluir mais umas 170 línguas além do português. Se olhamos os acervos que já existem, o Museu do Índio tem um acervo muito antigo de registros de narrativas, algumas delas só na língua materna. Vamos traduzi-las com uma tradução simultânea e as pessoas vão poder ouvir. Podemos fazer isso junto com todas as etnias que estão envolvidas no resgaste linguístico. A UNESCO declarou essa década, a segunda década das línguas indígenas. Podemos chamá-la para dar um pouco mais de publicidade junto com a ABL, porque quando está na web, está no mundo, deixa de estar apenas no site. A ideia é priorizar a oralidade, e não o texto. O que ameaça essas línguas é a ausência de falantes”, disse.
Ativismo
Ailton Krenak nasceu em 1953, na região do vale do rio Doce (MG), território do povo Krenak, um local afetado pela atividade de extração de minérios. Krenak é ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas. É comendador da Ordem de Mérito Cultural da Presidência da República e doutor honoris causa pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Krenak organizou a Aliança dos Povos da Floresta, que reúne comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia e contribuiu para a criação da União das Nações Indígenas (UNI). É coautor da proposta da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que criou a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, em 2005, e é membro de seu comitê gestor.
Nas décadas de 1970 e 1980, foi determinante para a conquista do “Capítulo dos índios”, o capítulo 8º na Constituição de 1988, que passou a garantir, no papel, os direitos indígenas à cultura e à terra. Entre os livros mais recentes, estão Ideias para adiar o fim do mundo (2019), A vida não é útil (2020), Futuro ancestral (2022) e Lugares de Origem (2021), escrito junto com Yussef Campos.
Em A vida não é útil, ele aborda a pandemia da covid-19 e diz: “Se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados da ruptura ou da extinção do sentido da nossa vida, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda”. Krenak valoriza a cultura indígena e mostra que a forma de lidar com a natureza e o mundo têm muito a ensinar a sociedades capitalistas. “Já vi pessoas ridicularizando: ele conversa com árvore, abraça árvore, conversa com o rio, contempla a montanha, como se isso fosse uma espécie de alienação. Essa é a minha experiência de vida. Se é alienação, sou alienado. Há muito tempo não programo atividades para depois. Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã”, diz em outro trecho do mesmo livro.
Ailton Krenak é um prolífico autor e suas obras têm contribuído significativamente para a literatura e a reflexão sobre questões sociais e ambientais. Alguns dos livros publicados por Ailton Krenak incluem:
- “Ideias Para Adiar O Fim Do Mundo” – Editora Companhia das Letras
- “A Vida Não É Útil” – Editora Companhia das Letras
- “Futuro Ancestral” – Editora Companhia das Letras
- “O Amanhã Não Está À Venda” – Editora Companhia das Letras
- “O Sistema e o Antissistema: Três Ensaios, Três Mundos no Mesmo Mundo” – Editora Autêntica (em parceria com Helena Silvestre e Boaventura de Sousa Santos)
Para Merval Pereira, Krenak é um poeta, tem visão de mundo muito própria e apropriada para o momento e que o mundo está preocupado com o meio ambiente, em que os povos originários lutam por seus direitos.
“Tudo isso está embutido na vitória de Krenak na Academia”, afirmou, complementando que ele é um indígena que trabalha com a cultura, com a valorização da oralidade. Para a Acadêmica Rosiska Darcy, a eleição de krenak é histórica, não só para a ABL, mas para o Brasil. “Não há melhor substituto para um grande historiador como Jose Murilo de Carvalho do que a história encarnada, que é o Krenak. Ele encarna hoje uma parte importante do Brasil. Estou muito feliz”. Para Ruy Castro, Krenak é um grande intelectual, um militante com currículo impressionante, e será uma grande contribuição para a Academia.
Heloisa Teixeira também manifestou seu contentamento com a chegada de Krenak. “A Academia está precisando neste momento do marco regulatório, dessa representação. Vai ser muito bom”.